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MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics
e-ISSN 2594-9187
Alícia Regianne Bezerra de Lima
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN-Ceres) Caicó-RN, Brasil. Aluna-pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Direito e Economia do Crime da UFRN-Ceres (DECrim). E-mail: aliciaregianne@gmail.com
Fillipe Azevedo Rodrigues
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal/RN, Brasil. Mestre em Direito pela UFRN, Natal/RN, Brasil. Professor Adjunto do Curso de Direito da UFRN-Ceres. E-mail: rodrigues.cgern@gmail.com
Resumo: Este artigo discute a intervenção penal do Estado na ordem econômica a partir de uma análise filosófica, constitucional e financeira da exploração e não regulamentação dos jogos de azar no Brasil. Considerando também, o impacto das tecnologias modernas nos jogos online e os desafios adicionais à normatização estatal. Inicialmente, aborda a liberdade, seus limites e a figura do Estado, à luz das ideias de John Stuart Mill, relacionando as escolhas individuais e a interferência estatal frente à atividade econômica que o estado intervém, criminaliza e, ao mesmo tempo, cria seu monopólio. Através de uma avaliação legislativa, relaciona os artigos 170 e 173 da Constituição e as hipóteses excepcionais de intervenção do Estado, aborda a Lei de Contravenções Penais, a Lei de Lavagem de Dinheiro, e aponta a inconstitucionalidade das intervenções que alcançam e interrompem as liberdades individuais.
Palavras-chave: Stuart Mill, Intervenção estatal, Jogos de azar, Monopólio, Regulamentação.
Abstract: This article discusses the criminal intervention of the state in the economic order based on a philosophical, constitutional and financial analysis of the exploitation and non-regulation of games of chance in Brazil. It also considers the impact of modern technologies on online gambling and the additional challenges to state regulation. Initially, it addresses freedom, its limits and the figure of the state, in the light of John Stuart Mill's ideas, relating individual choices and state interference in the face of economic activity that the state intervenes in, criminalizes and, at the same time creates its monopoly. Through a legislative evaluation, it relates articles 170 and 173 of the Constitution and the exceptional hypotheses of state intervention, addresses the Law on Criminal Contraventions, the Money Laundering Law, and points out the unconstitutionality of interventions that reach and interrupt individual freedoms.
Keywords: Stuart Mill, State intervention, Gambling games, Monopoly; Regulation.
Resumen: Este artículo aborda la intervención penal del Estado en el orden económico a partir de un análisis filosófico, constitucional y financiero de la explotación y la no regulación de los juegos de azar en Brasil. También considera el impacto de las tecnologías modernas en los juegos de azar en línea y los desafíos adicionales para la regulación estatal. Inicialmente, aborda la libertad, sus límites y la figura del Estado, a la luz de las ideas de John Stuart Mill, relacionando las opciones individuales y la interferencia del Estado frente a la actividad económica que el Estado interviene, criminaliza y, al mismo tiempo, monopoliza. A través de una evaluación legislativa, relaciona los artículos 170 y 173 de la Constitución y las hipótesis excepcionales de intervención estatal, aborda la Ley de Delitos Penales, la Ley de Blanqueo de Capitales, y señala la inconstitucionalidad de las intervenciones que alcanzan e interrumpen las libertades individuales.
Palabras clave: Stuart Mill, Intervención del Estado, Juego, Monopolio, Regulación.
O jogo, em suas variadas manifestações, atravessa o panorama histórico da humanidade, enraizado de modo intrínseco na tessitura cultural e civilizacional. É na ludicidade e através dela que se delineia o surgimento e a progressão da civilização. Ou seja, compreende-se que ao longo de milênios, o jogo tem sido presença constante nas sociedades humanas e que por meio dele, experimenta-se o acaso e a fortuna.
No tempo presente, apostas, sejam elas legais, ilegais ou virtuais, são realizadas diariamente por milhares de pessoas. Expressões como: “vou fazer uma fezinha” ou “qual é o bicho de hoje?”, estão intimamente ligadas ao dia a dia do brasileiro, pertencem à sociedade e remetem a loterias, apostas, bingos e demais categorias de jogos.
A ausência de regulamentação dos jogos de azar e a repressão pelo ordenamento jurídico, acaba por distanciar o Brasil de uma posição econômica favorável, pois o país deixa de explorar uma atividade com alto retorno financeiro e fiscal. Contudo, apesar da proibição, o Estado opera essa categoria de jogo através das Loterias Federais, sustentando o monopólio da atividade que proíbe aos particulares através do Direito Penal.
Todavia, diante do crescimento exponencial das apostas online e do seu sucesso em todo o mundo, tornou-se imperativo ao país, regulamentar esse mercado, especialmente considerando que seu fechamento, resultaria na saída de capital do país.
A partir desse conflito, emerge o estudo em questão: afinal, há legitimidade da intervenção penal no jogo de azar enquanto a atividade funciona por monopólio estatal?
Estabelecida a pergunta que impulsiona o presente estudo, o objetivo principal será analisar a razoabilidade da atuação estatal sobre os jogos de azar em face da manutenção de seu monopólio. Quanto aos objetivos específicos, pretende-se (i) relacionar o conceito de liberdade individual abordado na obra de John Stuart Mill com a interferência estatal; (ii) abordar a intervenção pública no domínio econômico e suas manifestações, sejam elas absorção, regulação ou participação; (iii) promover uma análise filosófica e constitucional da não regulamentação dos jogos de azar no país, contestando as justificativas governamentais.
No que concerne à abordagem metodológica, trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa e documental. O método adotado consiste na análise bibliográfica, embasada em obras literárias e artigos pertinentes ao assunto e temas correlatos. Além disso, fundamenta-se em julgados e na legislação vigente.
O artigo está dividido em cinco seções, compreendendo a introdução e a conclusão. A segunda seção apresentará a obra de John Stuart Mill e suas reflexões sobre liberdade e escolhas individuais, discutindo o princípio do dano e a ideia do bem jurídico tutelado. Na terceira seção, o trabalho fará uma abordagem da intervenção penal na ordem econômica e suas excepcionalidades, explorando o modo pelo qual a intervenção ocorre. Por fim, na última seção, analisa a regulamentação dos jogos de azar por via não penal sob uma perspectiva filosófica e constitucional.
O trabalho conclui pela descriminalização dos jogos de azar, defendendo a criação de um mercado lícito que venha a competir com o ilícito que sempre existiu. O eventual disciplinamento estatal, desde que não proibitivo, significará um avanço regulatório, fiscal, social e econômico.
De tal maneira, o poder público permanece com certa supervisão de tal setor sem produzir as externalidades negativas de tornar o mercado ilícito. Isso implica em uma intervenção nos aspectos que verdadeiramente tangenciam os princípios constitucionais, permitindo que o Estado materialize de maneira eficaz a livre iniciativa e demais princípios orientadores da ordem econômica.
John Stuart Mill foi responsável por estabelecer os fundamentos da revisão do utilitarismo como ideologia dominante e dedicado à investigação de diversas questões sociais de seu tempo, sempre buscando uma aplicação prática e útil às suas ideias.
Politicamente ativo, Stuart Mill defendia questões controversas à época, como o direito ao voto das mulheres. Seus trabalhos versavam sobre economia, ética, religião, filosofia social, metafísica, e questões relevantes para a sociedade naquele período (nome, ano).
Em “Sobre liberdade”, obra publicada em 1861 e escrita durante um período de modernização econômica e política da Grã-Bretanha, momento em que os indivíduos já desfrutavam de muitos direitos, o autor defendia o princípio da liberdade de pensamento, de discussão e a mínima interferência estatal na vida das pessoas, abordando conceitos como o “princípio do dano”.
No livro, ele analisa a evolução do conceito de liberdade ao longo da história e aponta a luta entre autoridade e liberdade como característica comum a todas as épocas (nome, ano).
Para o autor, a liberdade de pensamento seria um valor essencial para o progresso da sociedade e para o desenvolvimento individual. Ele acreditava que a verdade não poderia ser alcançada por meio da mera aceitação de opiniões, mas sim por meio do confronto de ideias divergentes e da livre expressão de diferentes perspectivas.
Desse entendimento, surge a liberdade de discussão, também conhecida como liberdade de expressão, princípio fundamental na filosofia política de John Stuart Mill, que a defende como essencial para o progresso da sociedade e do desenvolvimento individual.
Ele também acreditava que a verdade não poderia ser encontrada sem a livre exposição de ideias e opiniões divergentes. Ao permitir que diferentes pontos de vista sejam expressos e debatidos abertamente, a sociedade teria a oportunidade de refletir e compreender suas falhas (nome, ano).
No entanto, o autor demonstra a colisão dessas ideias de liberdades com a figura autoritária que provém do Estado. Segundo Mill, no exercício do poder, os governantes não consideram as necessidades dos governados, pois entendem que são mais preparados e inspirados do que o restante da população, especialmente em assuntos políticos.
A partir dessa premissa, e da passividade da população em não contestar tais condições, ganha espaço a ideia de que o poder do governante é necessário e sua interferência na vida das pessoas, essencial. Sobre isso, o autor escreve:
Os governantes eram concebidos (exceto em alguns governos populares da Grécia) como uma oposição necessariamente antagônica ao povo por eles governados. Consistiam ou numa única pessoa que governava, ou numa tribo ou casta governante, os quais derivavam a sua autoridade da herança ou da conquista, jamais a exerceram de acordo com a vontade dos governados e cuja supremacia os homens não se aventuravam – talvez nem desejassem – contestar, fossem quais fossem as precauções tomadas contra o seu exercício opressivo (nome, ano).
Há uma conexão entre as expressões de liberdade, como aquelas em que os indivíduos que se denominavam “patriotas” visavam a cercear o exercício do poder através de restrições constitucionais, com alguma tentativa de representação popular em decisões políticas importantes.
Para Mill (ano), a intervenção do Estado em assuntos que só dizem respeito ao indivíduo é ilegítima. Portanto, a responsabilidade de apresentar justificativas recai sempre sobre aqueles que desejam interferir em assuntos que sejam exclusivamente pessoais, mesmo que estes, sejam motivados pela ideia de bem-estar dos indivíduos.
O princípio do dano ou princípio do prejuízo, é um conceito ético proposto pelo autor. Esse princípio estabelece que a única justificativa válida para a interferência na liberdade individual é prevenir danos a outras pessoas. Ou seja, as ações individuais devem ser permitidas e respeitadas desde que não causem danos ou prejudiquem diretamente a terceiros.
Essa ideia é parte fundamental da filosofia utilitarista do autor inglês, que busca maximizar a felicidade e minimizar o sofrimento geral. O princípio do dano é um dos princípios-chave para determinar os limites do indivíduo e a justificação da intervenção do Estado ou de outros indivíduos na vida privada de alguém (nome, ano).
Mill (ano) via a interferência do Estado como algo que deveria ser limitado, com ênfase na liberdade individual, mas reconhecia que algumas formas de intervenção estatal eram necessárias para proteger os direitos e o bem-estar dos cidadãos.
O constitucionalismo liberal assumiu, em boa medida, essa ideia de um Estado sob controle, isto é, limitado a atividades essenciais e sem interferir em demasia nas liberdades individuais, o que se espraiou no Direito Privado como autonomia da vontade e no Direito Público como reserva legal, isto é, o Estado (liberal) de Direito.
O constitucionalismo compreende um ordenamento jurídico-político reduzido em texto escrito, ou seja, em uma constituição, que disponha sobre a organização política do poder a fim de torná-lo moderado e limitado democraticamente, a partir de uma reunião de direitos fundamentais, devidamente assegurados (nome, ano, p. 14).
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, X, converge com esse conceito de liberdade quando aborda os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada. Ruivo (ano), ao discorrer sobre autonomia da vontade e liberdade pessoal versus a inconstitucionalidade do crime de porte de drogas para uso próprio, faz um questionamento mais exemplificativo:
(1) pode o titular ofender o seu próprio bem – colocar em perigo (v.g., trabalhar em excesso por mera ganância) ou lesionar (v.g., retirar uma costela, de cada lado, para fins estéticos) – ou consentir que lhe ofendam?
A resposta da primeira questão é certamente afirmativa, caso se atente imediatamente aos princípios constitucionais previstos no art. 5.º, X, da CF. Aliás, já se poderia referir mediatamente a autonomia e a liberdade pessoal para o livre desenvolvimento da personalidade (arts. 1.º, III, e 5.º, caput, da CF). Tais valores constitucionais concretizam-se em conceitos da dogmática penal relacionados à atipicidade, seja na autolesão, seja no consentimento do ofendido, que aparece cumulado na mesma pessoa do ofensor nos casos de autolesão. (...) Embora seja indiscutível a ofensa à saúde individual, não se cogita a criminalização dessas condutas. Isso decorre do direito de disposição dos bens próprios, inerente à autonomia individual do ser humano na orientação da sua vida privada (nome, ano).
Nesse sentido, Stuart Mill declara que o indivíduo só responde perante a sociedade a respeito daquelas condutas que concernem aos outros. Segundo o autor, “na parte que diz respeito unicamente a ele próprio, a sua independência é, de direito, absoluta. Sobre si mesmo, sobre o seu próprio corpo e espírito, o indivíduo é soberano” (nome, ano, p. 34)
Contudo, a interferência estatal limita esta soberania do indivíduo. Um dos maiores exemplos de manifestação e intromissão governamental está no âmbito econômico. Para o Estado, não bastaria seu poder de regulamentação e restrição, teria também de intervir de maneira rigorosa na disciplina do mercado e ao que diz respeito à proibição de consumo de bens e serviços que possuem finalidades de interesse público e individuais.
A exemplo, estão os jogos de azar, como disposto no artigo 50 da Lei de Contravenções Penais (Lei nº 3.688/1941). Proibido em 1941, liberado ainda na Era Vargas e novamente criminalizado por meio do Decreto-Lei 9.215/1946, esse mercado foi apontado como proibido, pois ofende a tradição jurídica, à religião, à moral e aos bons costumes da sociedade.
Ao aplicar essas justificativas à atualidade, surge a dúvida se tais valores ainda devem ser protegidos pelo Direito Penal. Em outras palavras, existem valores constitucionais e coletivos que justificam a intervenção punitiva do Estado em relação à exploração de jogos de azar?
Também contra tais justificativas, escreveu Luiz Flávio Gomes:
Na doutrina brasileira praticamente não existe defensor da teoria de que a lei penal, no caso, sirva de proteção do patrimônio do apostador. Afinal, cada um tem liberdade de fazer com o seu dinheiro o que bem entenda, desde que não ofenda interesses alheios. O Estado (Leviatã) não pode chegar ao extremo de querer gerenciar o destino do dinheiro de cada pessoa. A posição majoritária, assim, aceita que o bem jurídico tutelado (no art. 58) é a moralidade (particularmente porque a contravenção em questão enquadra-se no capítulo relacionado com os "costumes") (nome, ano).
Ademais, no que tange ao jogo de azar e à interferência estatal, é perceptível e até mesmo incongruente que a criminalização se dê unicamente para que o Estado seja o único autorizado a explorar este mercado, uma vez que o governo monopoliza o segmento com dezenas de loterias, patrocinando sua divulgação e prática.
Discutindo o objeto de proteção legal, a violação se dá apenas por particular que explora alguma loteria paralela. Em relação ao tema em discussão e sob o prisma do bem jurídico, extrai-se que não se tutela a moralidade, mas sim o monopólio estatal (nome, ano).
O Estado, assegurando-se com o monopólio e criminalizando qualquer outro que venha a participar, seja o apostador, o banqueiro, ou o cambista, sob a justificativa de que essa loteria paralela desviaria recursos do erário e violaria o bem protegido, moralidade, reforça mais ainda o que foi supracitado e é objeto de estudo (nome, ano).
E, por assim dizer, os jogos de azar, como um mercado regulado, exercido e proibido pelo Estado, valida a ideia de que o governo interfere na soberania individual, uma vez que sua prática diz respeito apenas a escolhas pessoais.
É sabido que a evolução contínua da sociedade leva ao surgimento de novas demandas. Os avanços tecnológicos, as mudanças culturais, e o crescimento populacional, por exemplo, conduzem a criação de novos produtos, serviços e soluções que busquem atender às necessidades e a desejos emergentes.
De tal modo, é a partir dessa premissa que o Estado se manifesta na figura de interventor. Os principais motivos para intervenção incluem a promoção do bem-estar social, da segurança, da defesa nacional, da correção de desigualdades, da regulamentação econômica, entre outras razões e circunstâncias que requeiram uma maior atenção estatal.
É o que acontece no âmbito da regulamentação de bens e serviços, “criando um modelo econômico de mercado, sopesando escassez e limites jurídicos, contexto que aproxima o Direito à Economia” (Souza & Rodrigues, 2018, p. 2815).
Antes de examinarmos os princípios constitucionais que embasam a intervenção estatal na economia, é importante compreendermos as razões gerais que levam o Estado a intervir na ordem econômica. Inicialmente, é reconhecido que toda intervenção, de alguma forma, tem como objetivo servir a um interesse público, e no campo da economia, as razões podem ser duas: propriamente econômicas e não econômicas (sociais).
A intervenção econômica visa a corrigir as falhas de mercado, garantindo que este opere de forma eficiente na distribuição de recursos para a sociedade. Enquanto a intervenção não econômica, engloba teorias no sentido de que o Estado deve promover uma distribuição justa dos recursos produzidos, protegendo os cidadãos contra suas decisões irracionais e preservando os valores da comunidade (nome, ano).
O artigo 170 da Constituição Federal trata da ordem econômica e financeira do país. Este dispositivo resguarda a soberania nacional, a propriedade privada e sua função social, a livre concorrência, a defesa do consumidor e do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego, e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.
O Estado atua no sistema econômico de quatro formas distintas: por direção, por absorção, por participação e por indução. A atuação por direção é aquela que regula todos os agentes econômicos. Ao intervir por absorção e participação, o Estado desempenha diretamente a atividade econômica, ou delega a entidade criada por ele (Souza & Rodrigues, 2018, p. 2816).
Essa intervenção no domínio privado pode ser vista como uma conduta de regulação ou de monopólio. No contexto dos jogos de azar, há um monopólio, pois o Estado absorveu o mercado para si, através das loterias da Caixa Econômica.
Se descriminalizado, a atuação do Estado se resumiria à regulação, permitindo a coexistência da atividade explorada pela iniciativa privada. De tal forma, o jogo lícito também seria praticado por particulares, gerando receita tributável. Ao mesmo tempo, aqueles que não estivessem em conformidade com as diretrizes firmadas, permaneceriam na ilegalidade e estariam sujeitos às sanções penais ou não penais.
No início do segundo semestre de 2023, o Chefe do Poder Executivo assinou Projeto de Lei e Medida Provisória que regulamenta as apostas esportivas. O Projeto trazia processos administrativos e sancionadores, enquanto a MP elencou as novas regras dos jogos e da cobrança de tributos. Em dezembro do mesmo ano, a Lei 14.790 foi sancionada e não difere muito do que já constava no Projeto. A novidade, foi a inclusão de jogos online de cassino.
A regulamentação dessa atividade viabiliza que aquelas empresas que operam os jogos solicitem ao poder público uma licença de operação no país. O montante dessa autorização foi emitido pelo Executivo e cada empresa terá que desembolsar R$ 30 milhões para o exercício da atividade no país.
Tal autorização permite a implantação de casas de jogos, publicidade e cumprimento de obrigações fiscais. Conforme os textos, a partir dos lucros provenientes da exploração dos jogos, as empresas deverão conceder o prêmio ao apostador e, posteriormente, efetuar a dedução dos impostos federais, financiando o Fundo de Segurança Pública, do Ministério dos Esportes e da Educação, entre outros.
A expectativa é que a regulamentação do setor de apostas esportivas alcance a marca dos bilhões de reais, estimando-se um valor entre seis e doze bilhões. O orçamento para o ano de 2024 já prevê a quantia de R$ 2 bilhões.
Essa legislação em prol da regulamentação das apostas esportivas, aponta um movimento de possível mudança de um modelo de absorção para um modelo de regulação. Esse modelo permite que particulares sejam parte da prática do mercado, concorrendo inclusive com o próprio Estado. Dessa forma, o Estado intervém na modalidade de participação.
Em resumo, na absorção, o Estado é monopolista, enquanto, na participação, a empresa estatal atua em competição com o setor privado, mantendo sua capacidade de influência.
O artigo 173 da CF dispõe justamente sobre estas duas últimas formas de atuação estatal: “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo” (nome, ano). Este dispositivo também prevê sanções a toda e qualquer espécie de abuso de poder econômico que pretenda eliminar a livre concorrência e aumentar os lucros de maneira arbitrária.
Contudo, ainda não há muita clareza sobre a licitude do jogo e seus limites com a manutenção da intervenção penal no mercado de jogos de azar, isto é, o Estado regulador ainda criminaliza e pratica a atividade. Ao criminalizar o jogo e ao mesmo tempo atuar como principal executor, o Poder Público acaba eliminando a concorrência, restringindo a atividade econômica e dominando o mercado ao se tornar o único agente econômico do segmento.
Na concepção clássica, um monopólio refere-se ao controle exclusivo de um único fornecedor sobre a oferta de um produto ou serviço que não possui substituto. Nesse sentido, os jogos de azar no Brasil são explorados exclusivamente pela Caixa Econômica Federal, por meio de permissões concedidas às loterias presentes em todo o país, conforme disposto no Decreto-Lei nº 759/1969: “art. 2º explorar, com exclusividade, os serviços da Loteria Federal do Brasil e da Loteria Esportiva Federal nos termos da legislação pertinente” (nome, ano).
De acordo com a Constituição Federal de 1988, somente a União tem a prerrogativa de autorizar a exploração de jogos de azar. No Brasil, a prática ainda é considerada uma contravenção penal, conforme estabelecido pelo artigo 50 do Decreto-Lei n. 3.688/1941:
Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele: Pena – prisão simples, de três meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos móveis e objetos de decoração do local. § 1º A pena é aumentada de um terço, se existe entre os empregados ou participa do jogo pessoa menor de dezoito anos. § 2o Incorre na pena de multa, de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quem é encontrado a participar do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador (nome, ano).
Nascimento (2022), ao tratar dos aspectos positivos da descriminalização dos jogos de azar, é categórico ao afirmar que a proibição consiste em uma grande hipocrisia. O autor aborda que, ao mesmo tempo em que se proíbe sob justificativas religiosas e econômicas, o Estado monopoliza e arrecada impostos do mercado legal por meio das loterias federais.
Decerto é a partir dessa contradição que se deve discutir a necessidade da intervenção do Estado na prática dos jogos de azar. O atual debate sobre o tema é pautado pelo binômio “legalização/arrecadação”, o primeiro, contribui para que a indústria que resiste à repressão estatal saia do crivo da ilegalidade, o segundo, enxerga oportunidade de aumento da receita tributária (Ragazzo & Ribeiro, 2012).
No entanto, é necessário compreender que a regulação não fará com que a indústria dos jogos passe a operar integralmente em conformidade, isto é, com total observância do disciplinamento jurídico em vigor:
O problema desse binômio é que ele está baseado em duas premissas: uma falsa e outra problemática. Primeiro, a premissa falsa. Não é necessariamente lógico que a simples regulamentação de um determinado jogo de azar, atualmente proibido, fará com que essa indústria, hoje ilegal, seja regularizada. Qualquer que seja o nível de permissão (mais ou menos restritivo) de uma determinada atividade, sempre haverá um contingente de atores que se manterão na ilegalidade. Isso se deve a vários fatores, por exemplo, o alto grau de regulação e tributos levam muitos agentes a se manter na ilegalidade para fugir de alguns tipos de custos associados à regularização e à manutenção desse status. (..)
Segundo, a premissa problemática. Esta se refere ao argumento de que o aumento na receita estatal, decorrente da tributação da nova indústria, agora legalizada, traria um ganho líquido para o orçamento público, o que possibilitaria novos investimentos em diversas causas “nobres” (e.g. saúde, educação, cultura, esportes, etc.). Esse tipo de raciocínio possui alguns problemas. Devemos considerar que parte dos recursos adicionais arrecadados pelo governo pode vir a ser mais do que compensado por eventuais incrementos na despesa em outras áreas decorrentes da verificação dos custos potenciais associados à prática de jogos. Essas áreas incluem segurança, fiscalização e saúde pública, dentre outras, dependendo de quais modalidades de jogos serão regularizadas e como isso será feito. Não é perfeitamente claro se o impacto final no orçamento público vai ser positivo (Ragazzo & Ribeiro, 2012).
A questão principal deve se concentrar não apenas no binômio supracitado, mas também nos efeitos da proibição, suas consequências penais e no que ela incentiva. A retenção de certo mercado resulta na presença de agentes que, acostumados a operar ilegalmente, trabalham para fortalecer e expandir um nicho sem concorrência e livre de impostos.
Por outro lado, o aceite da exploração do jogo de azar, também amplia a discussão sobre sua possível utilização como forma disfarçada para lavagem de capitais. A literatura jurídica aponta que cassinos podem ser usados para conferir aparência lícita a dinheiro sujo. No entanto, bastaria o órgão regulador impor procedimentos na avaliação de jogos e apostas, nos riscos e na comunicação de operações suspeitas e atípicas (nome, ano).
É importante analisar os mercados paralelos que prosperam, alimentam-se e surgem em meio a essa restrição. O jogo do bicho, por exemplo, a loteria informal mais popular do Brasil, movimenta bilhões de reais anualmente e está enraizado no folclore da população: “se sonhou com cobra pode jogar no camelo” .
Apesar de existir tal cultura, a prática desse mercado está intimamente vinculada ao crime organizado, favorável ao financiamento do tráfico de drogas, milícias e corrupção. É a partir da disputa pelo controle desse mercado ilegal que são formados os cartéis de bicheiros e os conflitos entre bandos delinquentes.
Devido à natureza do jogo, é desafiador obter uma estimativa precisa de sua receita. No entanto, de acordo com um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), as apostas ilegais arrecadaram entre R$ 1,3 bilhão e R$ 2,8 bilhões em 2014, sem nenhum recolhimento de imposto, tudo de maneira informal.
Ou seja, o Estado deixa de arrecadar impostos e de devolver à sociedade um benefício, seja ele na área da saúde, educação e segurança. Uma vez descriminalizado, o jogo poderia também fomentar o turismo e o desenvolvimento econômico das regiões que abrigassem cassinos e casas de jogos. Países como Estados Unidos, Portugal e Uruguai já adotaram essa abordagem e obtiveram bons resultados no crescimento do setor turístico e de geração de empregos (nome, ano).
A regulamentação do jogo de azar afetaria o mercado clandestino. Ao ser regulamentado e descriminalizado, resta a possibilidade de uma intervenção estatal no âmbito do controle e fiscalização dessas atividades, a exemplo do que já está acontecendo no âmbito das apostas esportivas online. Ademais, diminuiria a atuação de grupos ilegais, garantindo a segurança dos jogadores e, de fato, efetivaria o que está estabelecido no artigo 170 da Constituição Federal.
O conceito de bem jurídico-penal teve origem na filosofia iluminista e acompanhou a evolução do Direito Penal moderno (nome, ano, 21). Durante o Ancien Régime o Direito Penal era produzido de forma anárquica e as definições do delito, de forma indeterminada.
A filosofia penal iluminista formulou um conceito material de delito, que seria a “violação de um direito subjetivo variável, de acordo com a alteração da espécie delitiva e pertencente à pessoa ou ao Estado” (nome, ano, 23).
No final do século XVIII, o filósofo alemão Ludwig Feuerbach desenvolveu sua tese sobre os direitos subjetivos. Conforme sua teoria, “o Estado deveria intervir penalmente quando houvesse um delito que lesasse algum direito do cidadão.” Em suma, se não houvesse lesão a um direito subjetivo, não haveria crime a ser punido (nome, ano, 38).
John Stuart Mill também se alinhou a esse entendimento ao defender que a repressão ou a penalidade só se justifica quando a conduta produza dano a terceiros: “O único propósito com o qual se legitima o exercício do poder sobre algum membro de uma comunidade civilizada contra a sua vontade, é impedir dano a outrem” (nome, ano, p. 22).
Na mesma direção, o conceito de bem jurídico coloca-se em primeiro plano de relevância como condição da proteção penal, pois o Direito Penal só está legitimado a intervir quando direcionado à proteção de um bem jurídico (nome, ano, 50).
Sobre o tema, nome (ano):
“Um Estado do tipo democrático e de direito deve proteger, com exclusividade, os bens considerados essenciais à existência do indivíduo em sociedade. A dificuldade encontra-se, exatamente, na identificação desta classe de bens. A determinação do que seria digno de tutela penal representa uma decisão política do Estado, que, entretanto, não é arbitrária, mas condicionada à sua própria estrutura. Em um Estado social e democrático de direito, a eleição dos bens jurídicos haverá de ser realizada levando em consideração os indivíduos e suas necessidades no interior da sociedade em que vivem. A seleção dos bens jurídicos, a fim de contemplar os interesses individuais, à vista das necessidades concretas do indivíduo, encontra-se sujeita a limitações impostas ao Estado, no exercício do jus puniendi” (p. 41, grifo nosso).
Partindo desse entendimento, não faz sentido que o Estado intervenha penalmente em algo que só diz respeito a uma escolha individual e que não tem o condão de prejudicar terceiros, afinal o próprio Estado reforça essa ideia ao explorar o jogo como monopolista.
Ao tratar de liberdade individual, uma das maiores preocupações de Stuart Mill era o conflito entre a liberdade e a autoridade. Ele estudava os limites da intervenção estatal na esfera privada e enfatizava a importância da individualidade no processo de desenvolvimento pessoal e social das sociedades (nome, ano).
Segundo Vendramel, a proibição dos jogos de azar “se dá única e exclusivamente por conceitos sem referenciais jurídicos concretos por atentar contra ‘os bons costumes’” (Vendramel, 2018, p. 33). Para o autor, proibições dadas por valores morais e éticos não deveriam influir no Direito Penal.
É exatamente com base nesse valor moral que o Estado justifica a intervenção penal nos jogos de azar. Em sua obra, Direito, liberdade, moralidade , (nome, ano) argumenta que uma conduta imoral não deve ser objeto de punição pelo direito e assume uma postura radicalmente contrária ao que ele chama de “coerção legal da moralidade”. Ou seja, para Hart, não se punia por necessidade, nem pela proteção dos cidadãos à sua própria liberdade, mas punia-se para impor a moral positiva.
Com base no princípio da intervenção mínima, que estabelece que o Estado só deve criminalizar aquilo que for absolutamente necessário, a legislação penal deve ser verdadeiramente a ultima ratio legis (“último recurso”).
Ao abordar este mesmo princípio, Claus Roxin sustenta:
O direito penal deve garantir os pressupostos de uma convivência pacífica, livre e igualitária entre os homens, na medida em que isso não seja possível através de outras medidas de controle sociopolíticas menos gravosas (nome, ano, p. 70).
A ideia fundamental deste princípio é a de que o Direito Penal é gravoso à sociedade, devendo apenas abranger as condutas mais prejudiciais, aquelas realmente intoleráveis e merecedoras de repressão estatal (nome, ano), o que não é o caso dos jogos de azar.
Sobre isso, Antonio Raimundo Pereira Neto (2011):
Nota-se, destarte, um Estado com conduta claramente paradoxal, pois ao mesmo tempo em que estimula os jogos de azar que lhe geram receitas, proscreve outros jogos de azar sob o argumento de que sua prática seria imoral (nome, ano, p. 35).
No âmbito Constitucional e no que diz respeito ao monopólio dos jogos e loterias, Alexandre Lustosa aponta a legislação brasileira como uma das mais atrasadas no mundo:
Há anos, a União e os demais Estados da federação vêm se digladiando nos Tribunais com vistas a garantir para si a exclusividade ou concorrência na exploração de loterias. Existem hoje milhares de cassinos no mundo operando na legalidade, que seguem leis rígidas e possuem ações negociadas em bolsas de valores. Em praticamente todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento no mundo há a regulação dos jogos, estando o Brasil numa absurda situação de ausência de regulação, quando salta aos olhos a qualquer cidadão que o jogo é praticado sem qualquer autorização, controle ou muito menos geração de tributos (nome, ano, p. 1).
Ou seja, atentos apenas aos ganhos financeiros, a União e os Estados não se inclinam a considerar a legalização dos jogos como uma maneira de arrecadação e até mesmo de controle e regulamentação do mercado.
Parafraseando nome (ano), nome (ano) coloca que “a liberação dos jogos de azar redunda em reconhecer (e não conferir) um poder de o sujeito jogar e um sujeito explorar a atividade”. Isto é, admite a existência de uma esfera de liberdade regulamentar que abrange essas atividades. Jogar e explorar o jogo sempre recairá no campo da liberdade (nome, ano).
Regis Fernandes de Oliveira (2015) afirma:
Em determinado momento histórico, prevalece a vontade (domínio das paixões) de liberar o jogo, o casamento homossexual, a prostituição, o consumo de drogas etc. Tudo depende, evidentemente, das forças (paixões) preponderantes em certa época. Como a moral é mutante, assim são os homens, os governos e, pois, o Estado que é consequência de toda vaidade humana (nome, ano, p. 256).
Como mencionado pelo autor, em certos períodos da história, os desejos e as vontades assumem um papel dominante, e atualmente, o mercado de apostas esportivas se tornou a paixão da vez. No Brasil, é a modalidade que se encontra em franca ascensão, o que impulsionou a implementação de medidas previstas para regularizar e gerar receita a partir do comércio digital de apostas no país.
Por outras palavras, é a força dessa época, um zeitgeist. No entanto, ainda há resistência de disciplinar e descriminalizar outras modalidades, ainda sob a sombra de uma moralidade estatista, enraizada na sociedade brasileira.
A intervenção estatal sobre a autonomia privada foi objeto de análise deste trabalho e, a partir da perspectiva de liberdade de John Stuart Mill, discutiu-se a liberdade individual e sua relevância para uma sociedade desenvolvida.
Ao tempo em que defende a necessidade residual do Estado, o autor entende que o paternalismo do Ente Público excede os limites basilares do princípio do dano e fere a autonomia da vontade quando avança sobre aquilo que só diz respeito ao indivíduo e não afeta terceiros.
De igual modo, a figura estatal também se manifesta na ordem econômica, de maneira a resguardar princípios constitucionais. Conforme descrito na terceira seção, a intervenção pública sobre o jogo ainda é predominantemente monopolista por absorção.
Nesse sentido, a descriminalização dos jogos de azar é assunto de necessária discussão e amadurecimento. As razões que levam o legislador a criminalizar tal prática, são meramente morais e inconstitucionais, de forma que, são valores que não mais correspondem aos paradigmas da juridicidade atual; afinal a prática dos jogos de azar não atenta contra nenhum bem jurídico individual e/ou coletivos.
O que se vê é a figura do Estado proibindo e intervindo na vida privada do indivíduo – pois a prática do jogo só diz respeito ao jogador, tanto do ponto de vista econômico, quanto social (o jogo por diversão) – ao mesmo tempo que tem, para si, o monopólio do mercado.
Além disso, esse mesmo Estado que não se inclina a regular a prática, termina por patrocinar, mesmo que indiretamente, aqueles jogos que continuam sendo explorados na esfera da ilegalidade, produzindo incentivos para o mercado paralelo, controlado pelo crime organizado e alheio ao sistema tributário.
Regular o jogo de azar, possibilitaria combater o mercado clandestino e o disciplinamento permitiria que o Estado exercesse seu controle, semelhante ao que faz no setor das apostas esportivas online. Esse mesmo modelo poderia ser aplicado às demais formas de jogos. Ao fiscalizar essa atividade, o número de grupos ilegais diminuiria e a segurança dos jogadores seria garantida. Dessa forma, intervindo naquilo que realmente diz respeito aos princípios constitucionais, a figura estatal efetivamente concretiza o que está estabelecido na Carta Magna, na linha do que Stuart Mill sustentava como intervenção legítima, aquela que beneficia o coletivo sem sacrificar o indivíduo.
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