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MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics
e-ISSN 2594-9187

Ensaios & Insights

Pedro Lages Gaya

0000-0002-4909-6635

Instituto de Economia (IE) da UFRJ, Brasil

Mestrando em economia do Instituto de Economia (IE) da UFRJ. E-mail: pedro@gaya.pro.br

A Hayekian Critique of Burke and Emerick (2016)

Resumo: Este trabalho examina uma pesquisa realizada por Burke e Emerick (2016) sobre a adaptação da agricultura dos EUA às mudanças climáticas. A crítica do estudo tem foco na utilização das teorias econômicas de Hayek, especialmente sobre o uso do conhecimento disperso na sociedade e a competição como um processo de descoberta. Os insights de Hayek revelam limitações relevantes na metodologia de Burke e Emerick, particularmente a incapacidade de seus modelos em capturar a complexidade e a especificidade do conhecimento e o papel dinâmico dos preços de mercado. Esta crítica argumenta que intervenções centralizadas poderiam minar a eficiência do mercado e a inovação, mostrando também um modelo elucidativo. Assim, sugere política de competição no mercado e os sinais de preços, para encorajar respostas adaptativas e inovadoras. A crítica destaca a importância de considerar o conhecimento disperso e os processos de mercado na formulação de estratégias de adaptação climática para a agricultura.

Palavras-chave: adaptação climática, Hayek, teoria do conhecimento, competição, meio ambiente.A Hayekian Critique of Burke and Emerick (2016).

A Hayekian Critique of Burke and Emerick (2016)

Abstract: This paper examines a study conducted by Burke and Emerick (2016) on the adaptation of U.S. agriculture to climate change. The critique focuses on the use of economic theories by Hayek, particularly regarding the utilization of dispersed knowledge in society and competition as a discovery process. Hayek’s insights reveal significant limitations in Burke and Emerick’s methodology, particularly the inability of their models to capture the complexity and specificity of knowledge and the dynamic role of market prices. This critique argues that centralized interventions could undermine market efficiency and innovation, also presenting an illustrative model. It thus suggests market competition and price signals policies to encourage adaptive and innovative responses. The critique emphasizes the importance of considering dispersed knowledge and market processes in formulating climate adaptation strategies for agriculture.

Keywords: climate adaptation, Hayek, knowledge theory, competition, environment.

Una Crítica Hayekiana a Burke y Emerick (2016)

Resumen: Este trabajo examina un estudio realizado por Burke y Emerick (2016) sobre la adaptación de la agricultura de los EE.UU. al cambio climático. La crítica del estudio se centra en la utilización de las teorías económicas de Hayek, especialmente sobre el uso del conocimiento disperso en la sociedad y la competencia como un proceso de descubrimiento. Los conocimientos de Hayek revelan limitaciones significativas en la metodología de Burke y Emerick, particularmente la incapacidad de sus modelos para capturar la complejidad y especificidad del conocimiento y el papel dinámico de los precios de mercado. Esta crítica argumenta que las intervenciones centralizadas podrían minar la eficiencia del mercado y la innovación, también presentando un modelo ilustrativo. Así, sugiere políticas de competencia en el mercado y señales de precios para fomentar respuestas adaptativas e innovadoras. La crítica destaca la importancia de considerar el conocimiento disperso y los procesos de mercado en la formulación de estrategias de adaptación climática para la agricultura.

Palabras clave: adaptación climática, Hayek, teoría del conocimiento, competencia, medio ambiente.

Introdução

O artigo Adaptation to Climate Change: Evidence from US Agriculture de (Burke & Emerick)Burke e Emerick (ano) examina como os agricultores dos Estados Unidos têm se adaptado às mudanças climáticas e como essas adaptações afetam a produtividade agrícola. Utilizando um conjunto de dados abrangente e métodos econométricos rigorosos, os autores argumentam que as adaptações de longo prazo parecem ter remediado menos da metade – ou mesmo nenhum – dos grandes impactos negativos de curto prazo do calor extremo na produtividade. A adaptação recente limitada implicaria perdas substanciais sob futuras e esperadas mudanças climáticas (presumidas similares com o fenômeno estudado) na ausência de investimentos compensatórios. No entanto, ao analisar esta pesquisa à luz da teoria econômica de Friedrich A. von Hayek, especialmente suas ideias sobre o uso do conhecimento na sociedade e a competição como um processo de descoberta, algumas carências relevantes ficam evidentes em termos de alcance temporal da pesquisa, granularidade das técnicas utilizadas e desenvolvimento da estrutura de capital.

Neste contexto, necessita-se de uma sólida fundamentação teórica, para que seja possível dispor do ferramental construtivo de crítica que será utilizado, o que conduz à análise crítica em questão, sendo necessário examinar o que foi feito por Burke e Emerick, como foi feito, o porquê foi feito, com que dados foi feito e, por último, o que ficou concluído (e o que não ficou, vale destacar). O comentário se pauta, em especial, em questão de processo e de conclusão. Assim, fica também o tópico das repercussões políticas relevantes àquelas conclusões, que induzem legisladores a agir sobre a questão, apesar dos problemas e limitações severas que serão exploradas – inclusive aquelas explicitadas pelos próprios autores. Por último, cabe considerar um modelo matemático elucidativo para compreender alguns elementos críticos da relação entre a teoria e a crítica realizada de forma mais concreta.

Fundamentação Teórica

Friedrich A. Hayek, um dos mais influentes economistas do século XX, desenvolveu uma teoria sobre a função do conhecimento e dos preços na coordenação das atividades econômicas. Em seu ensaio seminal The Use of Knowledge in Society, (Hayek, 1945)Hayek (ano) argumenta que a informação necessária para a tomada de decisões econômicas existe de forma dispersa por todos os indivíduos na sociedade. Ele mostra que nenhum planejador central poderia possuir todo o conhecimento relevante para tomar decisões ótimas para toda a economia e que, de fato, a tentativa de centralizar esse conhecimento pode destruir as formas próprias de captar sinais de mercado. Em vez disso, ele propõe que o sistema de preços de mercado é a forma por excelência de agregar e utilizar esse conhecimento disperso.

Hayek inicia seu argumento destacando a natureza do problema econômico, que não é apenas uma questão de alocação de recursos “dado” um conjunto de informações. Ele aponta que o conhecimento necessário para a tomada de decisões econômicas está completamente disperso entre os indivíduos, cada um dos quais possui recortes diferentes e incompletos de algum conhecimento. Esse conhecimento inclui informações específicas sobre circunstâncias locais, habilidades pessoais, e necessidades que estão constantemente mudando, podendo ou não mudar o conhecimento individual. Portanto, o desafio, a tarefa inexorável de um sistema econômico funcional é ordenar as decisões granulares para empregar (ou não) os recursos disponíveis da melhor forma e no melhor tempo possível para o complexo e inabarcável contexto da realidade. Nesse sentido, é a própria realidade que dispõe das condições de o que seja melhor para os dois aspectos mencionados, pois esta é a consequência lógica da exclusão da falácia do Nirvana.

O sistema de preços desempenha um papel crucial nesse processo. Os preços funcionam como sinais que comunicam informações sobre a escassez relativa e a demanda por diferentes bens e serviços. Quando há uma mudança na oferta ou na demanda, os preços livres ajustam-se rapidamente, fornecendo informações para produtores e consumidores. Por exemplo, se há uma escassez de um determinado recurso, o aumento do preço (ou o aumento do retorno produzido por uma relação de preços) sinaliza aos produtores para buscar alternativas ou aumentar a produção, enquanto os consumidores são incentivados a usar o recurso com mais parcimônia ou buscar substitutos. Esse processo descentralizado de ajuste contínuo é, segundo Hayek, mais eficiente do que qualquer sistema de planejamento centralizado poderia realmente ser, precisamente porque utiliza o conhecimento disperso – que nenhum indivíduo ou grupo poderia compilar completamente – ainda na sua forma original, sem que ele realmente precise ser transmitido como mais do que um incentivo. De fato, em algum sentido, os preços e suas relações são proxies da abstrata lei da oferta e da demanda que se manifestam como sinais aos seres humanos.

Além disso, o autor argumenta que a tentativa de substituir o sistema de preços por um planejamento centralizado não apenas falha em capturar a complexidade do conhecimento disperso, mas também elimina os incentivos para a descoberta e inovação. Os preços não apenas refletem a informação disponível, mas também incentivam os agentes econômicos a descobrir novas informações e a melhorar suas práticas. O sistema de preços, portanto, promove tanto a utilização eficiente do conhecimento existente quanto a geração de novo conhecimento, futuro sobre o qual nenhuma manifestação presente realmente pode existir além de especulações acadêmicas ou em empreendimentos que não saíram do papel.

Em Competition as a Discovery Procedure, (Hayek, 1964)Hayek (ano) expande essas ideias, argumentando que a competição é crucial não apenas para a eficiência econômica, mas também como um processo de descoberta que revela informações e inovações que, de outra forma, permaneceriam desconhecidas. Ele observa que a competição serve como um método para testar diferentes soluções para problemas econômicos, permitindo que as práticas mais eficientes e inovadoras sejam identificadas e adotadas.

Hayek critica o postulado de que a competição é desnecessária ou ineficiente em um mundo onde todas as informações são conhecidas antecipadamente. Ele argumenta que a essência da competição reside precisamente no fato de que ela é um processo para descobrir informações que não são conhecidas de antemão. Através da competição, empresas e indivíduos são incentivados a experimentar novas ideias e métodos, e aqueles que obtém êxito angariam para si o payoff condizente. Esse processo dinâmico de tentativa e erro ininterruptos é fundamental para o progresso econômico, pois permite que o conhecimento disperso, perfeitamente assimétrico, seja utilizado de maneira a convergir para soluções efetivas para os problemas reais da condição de insaciedade humana.

A competição, então, desempenha um papel vital na coordenação econômica ao incentivar a inovação e a adaptação contínua às mudanças nas circunstâncias. Ela permite que as melhores práticas e tecnologias sejam identificadas e difundidas através do sistema de preços. Os indivíduos no mercado, agindo com base em seus conhecimentos locais e subjetivos, contribuem para um processo final coletivo de descoberta que nenhum planejador central poderia replicar, pois precisaria antes conhecer o resultado para produzi-lo.

Hayek também aborda as implicações metodológicas de sua teoria. Ele critica a abordagem de muitos economistas que tratam a economia como se todos os dados relevantes fossem conhecidos e fixos – o caso em que, por qualquer razão, “o homem mediano carece de imaginação para perceber que as condições da vida e da ação estão em fluxo contínuo” (Mises, 2010)(nome, ano). Em vez disso, ele enfatiza que o conhecimento relevante está sempre em fluxo, e que a verdadeira tarefa da economia é expor como sistemas descentralizados coordenam esse conhecimento disperso, e como isso vem a ser relevante para os problemas aparentemente estanques da humanidade. Esta abordagem contrasta de forma particularmente profunda com a macroeconomia tradicional, que tende a se concentrar em agregados estatísticos e a buscar previsões/explicações de eventos concretos, através da fixação de parâmetros em pesquisas de escala histórica (apesar de muito raramente este tipo de pesquisa ocupar mais de um século com dados e/ou estimativas). Hayek argumenta que essa abordagem negligencia de todo a complexidade e a adaptabilidade da economia real, onde o conhecimento está disperso e em constante mudança. Em outros termos: os microfundamentos em que o modelo A ou B de macroeconomia estariam fundados seriam mutáveis o suficiente para demandar papel central na teoria.

Em suma, a teoria hayekiana sobre o uso do conhecimento na sociedade e a competição como um procedimento de descoberta oferece um arcabouço poderoso sobre como as economias podem ser organizadas para promover a eficiência e a inovação. Ele mostra que o sistema de preços e a competição são essenciais para a coordenação econômica, pois permitem que o conhecimento descentralizado ad extremum produza sinais eficazes e que esses sejam utilizados de maneira eficaz. Essas ideias têm profundas implicações para a política econômica, indicando que intervenções centralizadas muitas vezes são contraproducentes e que a promoção de mercados livres e competitivos (no sentido específico de Hayek) é fundamental para o progresso econômico.

Essas teorias são complementadas ainda pela teoria dos fenômenos complexos, discutida em The Theory of Complex Phenomena. (Hayek, 1964)Hayek (ano) argumenta que muitos fenômenos econômicos e sociais são complexos demais para serem compreendidos através de métodos tradicionais de falsificação e experimentação simples, como sugerido por (Popper (1959)nome (ano). Em vez disso, ele propõe que os economistas se concentrem na identificação de padrões gerais e na compreensão das estruturas subjacentes que emergem de interações complexas. Esta abordagem destaca a importância de reconhecer os limites do conhecimento humano nas hipóteses de pesquisa e na própria pesquisa, somada com a necessidade de teorias flexíveis, dinâmicas, que possam acomodar a complexidade inerente aos sistemas sociais e econômicos.

Análise Crítica do Estudo de Burke e Emerick

É sempre necessário contextualizar a contento o objeto de uma crítica antes de proceder à mesma. Criticar um espantalho pode ser um instrumento retórico relevante, pode até mesmo ser um instrumento construtivo em oposição às próprias ideias em ensaios, mas dificilmente é um procedimento adequado em uma crítica externa, sem finalidades escusas.

As questões abordadas no artigo de (Burke e Emerick (2016)Burke e Emerick (2016) são centrais para a compreensão dos impactos econômicos das mudanças climáticas na agricultura dos Estados Unidos. O artigo busca explorar se/como os agentes econômicos, especificamente os agricultores, têm se adaptado a um clima em mudança. Utilizando variações recentes nas tendências de temperatura e precipitação, os autores buscam identificar adaptações que ocorreram na agricultura dos EUA e gerar novas estimativas dos potenciais impactos das futuras mudanças climáticas nos resultados agrícolas. Os autores argumentam que as adaptações de longo prazo parecem ter mitigado menos da metade, e possivelmente nenhum, dos grandes impactos negativos de curto prazo do calor extremo na produtividade, indicando perdas substanciais sob futuras mudanças climáticas na ausência de alguma forma de compensação. Este certamente é um prognóstico bastante negativo no sentido de que, ceteris paribus, o setor agrícola pode sofrer significativamente, afetando no mínimo o padrão da dieta dos seus consumidores.

Os procedimentos adotados incluem a utilização de uma abordagem de “long differences” para modelar mudanças em nível de condados nos resultados agrícolas ao longo de períodos de 20 anos (1960-80 e 1980-2000) como uma função das mudanças em temperatura e precipitação. Essa abordagem visa replicar de forma mais precisa o experimento idealizado de impacto das mudanças climáticas, quantificando como o comportamento dos agricultores responde a mudanças de longo prazo no clima, enquanto evita preocupações com viés de variáveis omitidas. Além disso, os autores comparam os resultados da abordagem de long differences com estimativas de painel de respostas de curto prazo ao clima, tendo por intento testar se os danos de curto prazo são de fato mitigados no longo prazo.

Os dados utilizados pelos pesquisadores, em termos mais específicos, foram obtidos principalmente do Serviço Nacional de Estatísticas Agrícolas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Esses dados incluem informações anuais a nível de condados sobre área plantada e produtividade de culturas como milho e soja, além de medidas econômicas de produtividade, como receitas totais e valores de terras agrícolas, disponíveis a cada cinco anos através do Censo Agrícola. Os dados climáticos foram extraídos do trabalho de Schlenker e Roberts (2009), que forneceram valores diários interpolados de precipitação e temperaturas máximas e mínimas para células de 4 km que cobrem os Estados Unidos no período de 1950 a 2005. Ou seja, as informações agrárias foram agregadas ao nível de condado para capturar as condições climáticas durante a temporada de crescimento das culturas, de abril a setembro.

Os resultados apresentados no artigo sugerem que a produtividade das principais culturas agrícolas dos EUA foi substancialmente afetada por tendências de longo prazo no clima. Para o milho, por exemplo, a exposição a temperaturas extremas resultou em uma redução significativa nos rendimentos, com adaptações de longo prazo mitigando menos da metade dos efeitos negativos de curto prazo do calor extremo. Este quadro sugere que a adaptação recente à mudança climática foi mínima, destacando a necessidade de investimentos adicionais para mitigar perdas futuras. “Results so far suggest that corn and soy farmers are no more able to deal with increased extreme heat exposure over the long run than they are in the short run” (Burke e Emerick (2016)(Burke & Emerick, 2016).

Figura 1

Relação entre temperatura e rendimento de milho

Imagem para zoom

Fonte: Burke & Emerick (2016).

Os próprios autores identificam várias limitações em sua pesquisa. Uma das principais é a possibilidade de que as adaptações observadas sejam limitadas devido à falta de oportunidades de ajuste disponíveis para os agricultores. Além disso, eles consideram a hipótese de que os agricultores possam não ter reconhecido plenamente que o clima estava mudando, o que poderia ter restringido suas respostas adaptativas. A incapacidade de observar diretamente as percepções dos agricultores sobre as mudanças climáticas representa uma limitação significativa por si, dificultando a determinação precisa de porque a adaptação foi limitada – e como ela poderia vir a acontecer. Essas limitações são importantes, apesar de incompletas, para interpretar os resultados do estudo e suas implicações para as futuras políticas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Hayek coloca pontos críticos para este tipo de pesquisa. Embora esses modelos possam identificar tendências gerais, eles falham em capturar a complexidade e a especificidade do conhecimento individual que é impreterível para que qualquer adaptação bem-sucedida chegue ao mercado em primeiro lugar. Não se descobre a teoria da relatividade ou se escreve um romance de forma homogênea, por todo um setor ou por toda a humanidade. Toda inovação ocorre em pequena escala social (mesmo que seja motivada ou incentivada por uma escala maior). É uma coisa razoavelmente evidente, mas cujas consequências acabam obscurecidas na limitação interpretativa de algumas pesquisas, em especial nos casos outliers dos dados e nas potencialidades ausentes da realidade representada pelos próprios, este último caso sendo significativamente mais complicado. A adoção de escalas agregadas garante de todo, portanto, a invisibilidade de qualquer inovação que esteja ainda nos seus primeiros estágios. Ademais, a metodologia econométrica, embora poderosa, pode induzir a uma falsa sensação de compreensão completa, quando na realidade apenas arranha a superfície da complexidade econômica.

A pesquisa também não explora suficientemente o papel dos preços como mecanismo de transmissão de informação e incentivo para a adaptação, potencial forma de superar a questão de se os agricultores teriam ou não reconhecido o problema, em algum nível. Ou, em outro sentido, o caso de haver uma reação, ainda que sem o reconhecimento, apenas pelos incentivos envolvidos no sistema de preços. Isto é, segundo Hayek (1945), os preços refletem mudanças nas condições de oferta e demanda que servem como sinais para os agricultores ajustarem suas práticas, dentro do mercado. Por exemplo, um aumento nos preços de certos insumos devido a condições climáticas adversas incentivaria os agricultores a buscar alternativas ou inovações que poderiam ser mais eficientes para aquela questão. Ignorar esse aspecto é negligenciar um componente central deste tipo de problema. (Burke e Emerick, 2016)Burke e Emerick (ano) até mencionam adaptações específicas como mudanças nas práticas de plantio e colheita, mas não contextualizam essas mudanças dentro de um quadro de preços, competição e descoberta. (Hayek, 1968)nome (ano) argumenta que a competição entre agricultores para maximizar a produtividade e minimizar perdas é geratriz essencial para a inovação. Através da competição, em tempo dinâmico, sob condições de incerteza genuína, os agricultores precisarão experimentar diferentes técnicas e tecnologias, e as práticas mais eficazes se disseminarão pelo mercado, à medida que produzem os resultados “vencedores” a cada momento. Esta dinâmica competitiva é um elemento crucial que não é adequadamente abordado no estudo.

Em um aspecto indireto, não em escala social, mas em escala de tempo, o clima aponta um problema histórico similar à Hayek. O estudo do clima envolve compreender variáveis e mudanças que ocorrem em uma escala de tempo prolongada, verdadeiramente histórica. O clima, ao contrário do tempo, é definido por padrões meteorológicos médios observados em um período de 30 anos, segundo a Organização Meteorológica Mundial (WMO, 2017)(nome, ano), podendo este recorte ser ainda substancialmente maior. Os 40 anos totais adotados, portanto, enfrentam uma dificuldade no sentido de trabalhar com um clima que, em termos históricos, ainda assim é praticamente um monolito, e|ainda é simplificado em suas manifestações. De fato, esta questão reflete um problema maior na teoria econômica contra o fenômeno empírico maior da história econômica. O problema foi expresso de forma bastante adequada nas palavras de North (1974)nome (ano):

Neo-classical economic theory has two major shortcomings for the economic historian. One, it was not designed to explain long-run economic change; and two, even within the context of the question it was designed to answer, it provides quite limited answers since it is immediately relevant to a world of perfect markets [...]

[A teoria econômica neoclássica tem duas grandes deficiências para o historiador econômico. Primeiro, ela não foi projetada para explicar mudanças econômicas de longo prazo; e segundo, mesmo dentro do contexto da questão que foi projetada para responder, ela oferece respostas bastante limitadas pois é imediatamente relevante a um mundo de mercados perfeitos [...].] (tradução nossa)

Implicações Políticas

As conclusões de Burke e Emerick (2016)Burke e Emerick (ano), juntamente com outras pesquisas no campo da economia ambiental, podem ser (e de fato são) usadas politicamente para justificar intervenções ou subsídios centralizados que oficialmente visariam auxiliar na adaptação climática. No entanto, ao analisar essas propostas sob a perspectiva hayekiana, é evidente que intervenções centralizadas podem minar a eficácia do processo de mercado e a capacidade dos indivíduos de se adaptarem efetivamente. Em vez disso, uma política de competição é evidentemente o meio mais provável e capaz de eventualmente mostrar os frutos das inovações potencialmente hoje invisíveis ou aquelas que ainda não foram concebidas.

Isto é, permitir que os preços de mercado guiem a adaptação de forma autônoma. Políticas que distorcem os preços, como subsídios ou controles de preços, impedem que os sinais adequados de mercado cheguem aos agricultores, reduzindo sua capacidade de responder eficazmente às mudanças climáticas, e de fato mudando completamente o conjunto de incentivos do sistema. Quer seja, o fluxo de informação fica distorcido, pois os preços livres funcionam como sinais que comunicam informações críticas sobre a oferta e a demanda, já preços manipulados comunicam outras coisas – a depender da manipulação.

E os preços não apenas refletem a informação disponível, mas também propiciam a descoberta e a inovação. Em um mercado livre, os agricultores são incentivados a experimentar novas técnicas e tecnologias para melhorar sua produtividade e reduzir custos, conforme a demanda por alimentos continua, apesar de potenciais mudanças climáticas. Este processo de tentativa e erro é fundamental para o progresso econômico, e subsídios ou controles podem desincentivar as suas iterações inovadoras.

Uma abordagem centralizada para a adaptação climática falha em capturar a complexidade do conhecimento disperso e pode eliminar os incentivos para a descoberta e inovação. De fato, com esta análise lógica fica evidente que políticas diversas têm como consequência principal um desincentivo ao processo de inovação necessário para a superação dos problemas de produtividade enfrentados pela agricultura em face a mudanças das condições climáticas.

Um exemplo prático de como a abordagem hayekiana pode ser aplicada de forma a ‘azeitar’ a questão é através do uso de tecnologias de informação e comunicação (TIC) para melhorar a disseminação de informações sobre práticas agrícolas eficientes e condições climáticas. Plataformas digitais podem fornecer aos agricultores dados atualizados sobre previsões meteorológicas, preços de mercado e novas técnicas agrícolas, permitindo que eles ajustem suas práticas de maneira mais informada e eficaz – se for adequado implementar algum tipo de sistema desta espécie em matéria de custo. Um exemplo clássico deste tipo de melhora é mostrado no estudo com pescadores realizado por Jensen (2007)nome (ano), onde o autor investiga como a introdução de telefones móveis afeta o desempenho do mercado e o bem-estar no setor pesqueiro do sul da Índia, questionando se a melhoria na informação pode reduzir a dispersão de preços e eliminar desperdícios. Usando dados de pesquisas de nível micro coletados entre os anos de 1997 e 2001, o estudo indica que a adoção de telefones móveis por pescadores e comerciantes resultou em uma redução significativa na dispersão de preços, eliminação do desperdício material e melhor adesão ao fenômeno da Lei do Preço Único.

Ao aplicar as ideias de Hayek às conclusões de Burke e Emerick (2016)Burke e Emerick (ano), fica evidente que uma abordagem granular, que promove a competição e utiliza o sistema de preços pode ser mais eficaz para a adaptação às condições climáticas na agricultura. Intervenções centralizadas podem falhar em capturar a complexidade e a especificidade do conhecimento individual, além de reduzir os incentivos para a inovação e preparar potenciais erros de escala significativamente superior. Políticas que permitam que os preços e a competição guiem a adaptação podem levar a uma utilização mais eficiente do conhecimento existente e à geração de novo conhecimento, promovendo assim uma adaptação mais eficaz e sustentável às mudanças climáticas.

Um Modelo Matemático Elucidativo de Pesquisa e Desenvolvimento

Tendo em vista as condições apresentadas nesta crítica, é possível que um modelo elucidativo dos seus principais pontos seja útil. Assim, um modelo matemático que visa representar como fazendas tomam decisões sobre técnicas agrícolas sob risco climático figura como um ponto de partida cabível. O modelo deve considerar que as fazendas podem investir no desenvolvimento de técnicas, vender técnicas e são afetadas por mudanças climáticas exógenas (cujo elemento central, refletindo o caso da Figura I, é a temperatura). Ademais, há um mercado de técnicas e um de produtos alimentícios onde das fazendas atuam.

A função de produção considera a técnica adotada pela fazenda, o efeito do clima e os fatores de produção. A função é dada por:

Onde é um multiplicador de produtividade, é a técnica adotada pela fazenda no período (uma variável dummy: 2 para técnica alguma técnica desejável e 1 para técnica inicial), representa o efeito do clima (, com o choque entre -1 e 1) no período , é a produção resultante dos fatores de produção, assumindo clima irrelevante.

A função do clima foi estruturada e calibrada para captar um pouco dos resultados estimados por Burke e Emerick (2016)Burke e Emerick (ano) e é dada por:

Esta função modela o efeito do clima na produção, considerando que a temperatura que maximiza a função é 29 graus.

A função de custo considera o preço de uma nova técnica adquirida e um custo fixo para o uso de qualquer técnica já adquirida. A função é dada por:

Onde é o preço de uma nova técnica adquirida no período, tal que , onde é um preço inicial e é um fator de redução de preço pelo número de fazendas que adotaram a técnica avançada. é um custo fixo para o uso de qualquer técnica já adquirida a cada unidade de fator de produção .

A função de preço considera o preço inicial, o preço dos períodos anteriores e a produção total das fazendas – relativa à situação estacionária. A função é dada por

onde é o preço inicial, é um fator de influência do movimento de preço anterior, é um fator de redução de preços ocasionado pela soma de toda a produção não estacionária e é a produção de equilíbrio inicial (estacionária sem clima).

As fazendas tomam decisões de investimento em técnicas agrícolas baseadas em sua expectativa de produtividade futura e nos custos associados. A decisão de investir em uma nova técnica é determinada pela comparação entre o custo de investimento e o benefício esperado em termos de aumento de lucros. A função de investimento determina se a fazenda investe em uma nova técnica com base na expectativa de lucro futuro da fazenda ( ). A função é dada por:

Tal que é a chance de sucesso do investimento e:

Ou seja, a decisão de investir também depende da temperatura, com as condições especiais: sendo possível investir apenas se a temperatura estiver acima de 30 graus e após o período 50.

Feita esta simples exposição é possível realizar uma simulação do modelo em um painel gráfico, onde é possível extrair alguns insights em formato mais tangível do que a crítica realizada. A simulação ocorre ao longo de 100 períodos para fazendas com uma calibração bastante genérica das relações estabelecidas no modelo.

Figura 2

Painel Gráfico com Resultados da Simulação do Modelo

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Elaboração própria.

Observa-se que há um grande período de aumento de temperatura na primeira metade do tempo, com alguns outros picos locais e uma tendência crescente na segunda metade. Como, por hipótese, não é possível pesquisar antes do período 50, a produção cai e os preços sobem com o aumento das temperaturas até aí. Fica marcado o fenômeno da inflação ambiental, caracterizada por escassez intensificada pelas condições ambientais e a consequente subida de preços. Sem embargo, uma vez que é possível pesquisar, imediatamente a pesquisa se inicia (com 5% de chance de sucesso por período). O modelo equivale, portanto, a indicar que no período 50 o problema foi descoberto e a sua superação foi tida como lucrativa por todas as firmas que optaram por tentar algum processo inovativo. O modelo adota expectativas como habitualmente representadas, mas esta forma não é condição necessária do resultado. Ademais, mesmo que nem todas as fazendas consigam o resultado técnico imediatamente, muitas conseguem aumentar este valor apenas muitos períodos depois, inclusive comprando a técnica (assumindo que as condições de compra são similares às condições de pesquisa). No caso em que há 100% de chance de sucesso, que equivaleria a um modelo no limite do hipotético ou a uma compra com efeito certo, todas as firmas adotam a técnica no período 51, exaurindo o mercado de técnica instantaneamente.

Este modelo é um exemplo elucidativo para explicar que um evento que se torna exógeno do ponta de vista macro ocorre também positivamente. A técnica pesquisada, por exemplo, poderia ser a técnica utilizada anteriormente em uma horta doméstica que ganhou escala, como poderia também resultar do aporte em pesquisa agrônoma ou de várias outras gêneses. Sem que nenhum desses agentes tenha centralmente definido a resolução do problema de maximização de lucros, tanto no caso de investimento em técnica quanto no caso de compra, o que ocorre é um impacto de melhora generalizada para as condições do mercado contra a escassez. O modelo pode não ser realista na escala do impacto, no nível climático, na exata formação dos preços e na facilidade de difusão da técnica, mas o que fica evidente é que há um potencial neste tipo de condição que promove a superação em ordens naturais de problemas relacionados à variação de temperaturas (ou, mudando os significados e os parâmetros das funções, de muitas outras coisas).

Conclusão

A análise de Burke e Emerick (2016)Burke e Emerick (ano) sobre a adaptação agrícola às mudanças climáticas nos EUA destaca uma adaptação insuficiente às temperaturas extremas, sugerindo perdas futuras significativas na produtividade agrícola. Ao aplicar a teoria de Hayek, no entanto, fica evidente que a abordagem dos autores pode falhar em capturar a complexidade do conhecimento disperso e as dinâmicas de mercado que influenciam a gênese e propagação de adaptações. Hayek argumenta que o sistema de preços e a competição são cruciais para a coordenação econômica eficiente e a inovação. Assim, a pesquisa de Burke e Emerick poderia beneficiar-se ao considerar como os sinais e as políticas de preços e a competição incentivam, obstam e/ou sugerem a adaptação dos agricultores às mudanças climáticas.

Políticas centralizadas que distorcem os preços, como subsídios ou controles, podem minar a capacidade dos agricultores de se adaptar efetivamente, eliminando os incentivos para a inovação tão necessária no setor. Em vez disso, uma abordagem baseada na competição e nos preços livres poderia promover uma adaptação mais eficiente e sustentável. O uso de tecnologias de informação e comunicação para disseminar informações sobre práticas agrícolas eficientes e condições climáticas exemplifica, portanto, como a teoria hayekiana pode ser aplicada para melhorar a resposta adaptativa. Quer dizer, como mostra o modelo elucidativo, há realizações bastante possíveis de eventos surpreendentes na superação dos desafios apresentados pelas condições de temperatura (ou de várias outras coisas, tendo em vista que o modelo não esteja limitado a elucidar apenas um aspecto climático, apesar de só mencionar temperatura como exemplo). Assim, promover mercados livres e competitivos pode ser essencial para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas na agricultura, incentivando a descoberta e a implementação de inovações necessárias.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Referências

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1. “Os resultados até agora sugerem que os agricultores de milho e soja não são mais capazes de lidar com o aumento da exposição ao calor extremo a longo prazo do que são a curto prazo” (tradução nossa)

Recebido: 03 jul 2024 | Aprovado: 09 set 2024 | Publicado: 16 jul 2024

MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, São Paulo, 2024, v. 12.